Ciro Gomes, Jaques Wagner e Flávio Dino. (FOTOS/ Redes Sociais/ Wanessa Soares e Pedro Ladeira/Folhapress). |
O segundo turno das eleições confirmou o retumbante fracasso de Jair Bolsonaro como cabo eleitoral. Candidato à reeleição no Rio de Janeiro com a bênção da Igreja Universal do Reino de Deus e a unção do presidente da República, Marcelo Crivella amealhou pouco mais da metade dos votos obtidos pelo seu adversário, Eduardo Paes, do DEM. Em Fortaleza, Capitão Wagner bem que tentou se desvincular da imagem do seu padrinho, mas era tarde. Acabou derrotado por José Sarto, do PDT, apoiado pelos irmãos Cid e Ciro Gomes. Ao cabo, dos 13 candidatos a prefeito indicados nas “lives presidenciais”, transmitidas do Palácio do Alvorada, somente dois se elegeram, um no município mineiro de Ipatinga e outro em Parnaíba, no Piauí. Não restam dúvidas, Bolsonaro converteu-se em um Midas às avessas, prejudica quem apoia.
A
despeito do refluxo da extrema-direita no Brasil, a esquerda tem pouco a
celebrar. O partido que mais cresceu foi o DEM de Rodrigo Maia, que conquistou
quatro capitais (Rio de Janeiro, Salvador, Curitiba e Florianópolis). Os
prefeitos da legenda passarão a governar 24,4 milhões de habitantes, quase 13,6
milhões a mais. No ranking dos que mais ampliaram a sua zona de influência,
figuram ainda outras quatro legendas do chamado Centrão: PSD, PP, Podemos e
Avante. Embora seja a sigla que mais encolheu em 2020, o PSDB segue na
liderança, e vai comandar o Executivo de cidades onde vivem 34 milhões de
cidadãos. Logo atrás, vem o MDB, com 26 milhões de governados.
O
Centrão, convém lembrar aos desavisados, nada tem a ver com o que se
convencionou chamar de centro do espectro político. “Esse grupo de partidos
está mais para um ‘Direitão’, embora seja uma direita muito particular, uma
direita adesista, disposta a abraçar qualquer governo que desponte no
horizonte”, observa o cientista político Cláudio Couto, professor da FGV de São
Paulo. “Até por conta desse perfil fisiológico, oportunista, o Centrão costuma
se dar melhor nas disputas em nível municipal ou estadual.”
De
modo geral, as legendas do campo progressista sofreram duro revés em 2020. O PT
não conseguiu se recuperar do tombo sofrido quatro anos atrás. De 630 prefeitos
eleitos em 2012, a sigla passou a 256 em 2016, e 183 neste ano. Pela primeira
vez desde o fim da ditadura, não conquistou uma única capital. Por vencer em
quatro cidades de médio porte no segundo turno (Diadema e Mauá, no estado de
São Paulo, Contagem e Juiz de Fora, em Minas Gerais), o partido conseguiu
atenuar o vexame e manter o patamar de 6 milhões de habitantes governados.
PDT e PSB estão mais resistentes a um acordo com o PT
O
PSB venceu em Recife e Maceió, mas os reveses obtidos em outras cidades fizeram
a sigla socialista perder mais de 7 milhões de governados. O PDT de Ciro Gomes
ganhou em Fortaleza e Aracaju, mas também diminuiu em 1,6 milhão o número de
habitantes sob suas administrações municipais. Da mesma forma, Rede e PCdoB
encolheram de tamanho. No campo progressista, apenas o Psol tem motivos para
celebrar, ainda que tenha saído de um patamar muito baixo. Passou de duas para
quatro prefeituras, incluindo Belém, a capital do Pará. Com isso, passará a
governar 1,5 milhão de habitantes (antes eram 14 mil).
Fora
da análise fria dos números, algumas vitórias tiveram sabor amargo. No Recife,
o campo progressista deveria celebrar um segundo turno com dois candidatos da
esquerda, mas a fratricida disputa travada entre os primos João Campos, do PSB,
vitorioso da disputa, e Marília Arraes, do PT, deixaram feridas que dificultam
a formação de frente ampla para as eleições presidenciais de 2022. Por outro
lado, certas batalhas perdidas conseguiram o feito de alimentar os sonhos da
militância. Mesmo derrotado pelo tucano Bruno Covas em São Paulo, o psolista
Guilherme Boulos conseguiu reunir, na propaganda eleitoral do segundo turno,
Lula, Ciro Gomes, Flávio Dino e Marina Silva. O resultado seria o mesmo se a
turma estivesse unida desde o primeiro turno?
Inútil
especular, sobretudo no atual contexto, no qual as lideranças dos partidos
procuram fazer uma espécie de acerto de contas, buscando os culpados pelo revés
eleitoral. Em recente entrevista, Ciro voltou a tecer críticas ao PT. “O povo
brasileiro parece ter determinado como segunda razão do voto o alinhamento
ideológico para cá ou acolá. O brasileiro mandou o lulopetismo radical e o
bolsonarismo boçal para fora. Falou: ‘Vão brigar lá fora’”, afirmou o pedetista
à Rádio Bandeirantes. Sobrou até para Flávio Dino, criticado por votar com uma
camiseta da campanha Lula Livre. “Perdeu a noção da realidade.”
Coube
ao próprio governador do Maranhão colocar panos quentes na declaração, inflada
pela enfurecida reação da militância petista nas redes sociais. “Não
responderei a Ciro Gomes. Por duas razões: primeiro, tenho respeito e apreço
por ele. Segundo, é a minha contribuição para que o campo nacional-popular
caminhe unido. Não me cabe acirrar conflitos desnecessários”, escreveu no
Twitter. Em entrevista ao canal de CartaCapital no YouTube, Dino acrescentou
que o PT ainda é o partido mais nacionalizado, a “coluna vertebral do campo
progressista”. E arremata: “Você não pode achar que vai construir uma aliança
vitoriosa em 2022 sem o PT. Isso é um erro gigantesco”.
O
problema é que antigos aliados estão cada vez mais incomodados com a “visão
hegemônica” da cúpula petista. “Nunca tivemos dificuldade de diálogo, mas o PT
nunca abre mão de comandar o processo. A história nos mostra que somos muito
bons para apoiá-los, mas nunca somos bons o suficiente para sermos apoiados”,
queixa-se Carlos Lupi, presidente do PDT. “Estaremos sempre abertos ao diálogo,
mas não dá para aceitar a imposição do português, aquele que diz ao futuro
genro que ele pode se casar com qualquer uma de suas filhas, desde que seja a
Maria.”
Presidente
do PSB, Carlos Siqueira reforça as críticas de Lupi. “Nas eleições deste ano,
propus ao PT uma aliança nas principais cidades. Depois, disseram por aí que
coloquei obstáculos à aliança por causa de Recife. Claro, essa capital era uma
prioridade para nós. Mas eu não estava tratando apenas de Recife, estava
discutindo uma visão geral para o País”, afirma. “Para dar uma resposta
política eficaz ao bolsonarismo, era indispensável estarmos unidos nas
principais capitais, com o eleitorado mais esclarecido e politizado. Poderíamos
ter estabelecido um critério para avaliar qual seria o melhor candidato em cada
lugar. Mas, quando Lula bateu o pé e insistiu que o PT lançaria candidatos na
maioria das capitais, ele impediu essa concertação, que poderia dar resultados
mais positivos para a esquerda.”
De
fato, o PT disputou 14 capitais com chapas “puro-sangue”, mas a deputada Gleisi
Hoffmann, presidente da legenda, nega que os petistas tenham feito uma aposta
exclusivista. “Fomos juntos, desde o primeiro turno, com candidatos de outros
partidos em Porto Alegre, Florianópolis, Belém, Boa Vista e João Pessoa.
Fizemos um esforço de aliança no Rio de Janeiro. Somente após a desistência de
Marcelo Freixo, do Psol, decidimos lançar Benedita da Silva. Fizemos coligações
em mais de 2,5 mil municípios e cedemos a cabeça de chapa em muitas delas.”
Falta trabalho de base e um projeto nacional, diz o cientista político Aldo Fornazieri
Na
avaliação da parlamentar, os candidatos do Centrão acabaram favorecidos pela
crise do coronavírus, que permitiu a flexibilização dos gastos públicos em
todas as esferas de governo. “A União
liberou 56 bilhões de reais em recursos extraordinários para os municípios, dos
quais 46,5 bilhões foram gastos de junho a setembro. Os prefeitos tiveram a
chance de fazer muita coisa. Mesmo aqueles que eram mal avaliados antes da
pandemia conseguiram ser reeleitos”, afirma. “O nível de reeleição nesse
pleito foi de 63%, contra 45% em 2016.”
Gleisi
reconhece que o PT precisa dar uma “chacoalhada” em sua estrutura burocratizada
e retomar o trabalho de base. E promete retomar o diálogo com o PSB e o PDT no
início do próximo ano. “Agora, é muito
cedo. As feridas do período eleitoral ainda estão abertas.”
Antes
de pensar na construção de uma candidatura única para 2022, é preciso
apresentar um projeto para o País, observa o cientista político Aldo
Fornazieri, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. “A esquerda está na defensiva desde o
impeachment de Dilma, não conseguiu sair das cordas desde então”, observa.
“No governo Temer, fez oposição à reforma
trabalhista, mas não apresentou qualquer proposta alternativa. No governo
Bolsonaro, resistiu às mudanças na Previdência, mas tampouco apresentou nada.
Saiu derrotada das duas batalhas, sem obter qualquer benefício para o povo.”
Além
disso, Fornazieri acredita que o campo progressista tem sido punido pelas
equivocadas avaliações desde a eleição de Bolsonaro. “Por meses, se dedicaram a combater o fascismo, que o povão não faz a
menor ideia do que é, e a enfrentar um golpe do presidente que ninguém via em
lugar algum. Não bastasse, durante a pandemia, a turma toda ficou no recôndito
do lar, enquanto os trabalhadores se espremiam em ônibus lotados ou nas filas
da Caixa Econômica para receber o auxílio emergencial. Ninguém os defendeu.
Depois, ficam ressentidos com o voto deles.”
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